Antes de mais nada é preciso que sejamos sinceros e reconheçamos que a forma como morreu o imigrante congolês Moïse Kabagambe não é algo incomum no Brasil. Morre-se muito e com muita frequência sob tortura e sob forte violência.
São notórios os “fornos de microondas” do tráfico de drogas, os tribunais do tráfico e suas execuções. Mas não somente o tráfico: linchamentos e mortes por banalidades não são incomuns. Somos o país mais violento do mundo que, a despeito da queda no número de homicídios nos últimos anos, segue na dianteira mundial.
Todavia, as mortes dessa natureza geralmente são escondidas ou omitidas do noticiário. Vivemos normalmente enquanto escorre um mar de sangue sob nós. Quem de nós não perdeu uma pessoa próxima para a violência, um parente ou um amigo? Bem, se você é do Rio de Janeiro, é muito improvável que não tenha tido essa triste experiência.
A morte de Moïse ganhou notoriedade por dois motivos: primeiro porque aconteceu em um território não-dominado por um poder paralelo. Segundo, porque era uma morte que tinha potencial de capitalização política por partidos e movimentos de esquerda pelo fato de se tratar de um imigrante de pele negra.
É evidente que a morte violenta, em si, não comove a imprensa tampouco estes movimentos de esquerda. Se a preocupação fosse com a vida humana, seguramente eles se manifestariam sobre as vítimas do tráfico, como fazem aqueles que se preocupam de verdade com a vida humana.
Mas, ainda que, lamentavelmente a morte do jovem imigrante seja apenas mais uma nesse mar de sangue brasileiro, é impossível não reconhecer neste caso específico que essa tragédia é a negação do Brasil.
Um santo do nosso tempo, o espanhol S. Josemaria Escrivá, quando esteve no Brasil nos anos 1970, enamorou-se por nosso país e o descreveu da seguinte forma: “o Brasil é uma mãe grande, bonita, fecunda, terna, que abre os braços para todos sem distinção de línguas, de raças, de nações, e a todos chama filhos”.
Moïse era imigrante. Como imigrantes eram nossos avós, bisavós, tataravós. Ele saiu de uma terra hostil, o seu Congo natal, para os braços desta Pátria que nasceu para ser Mãe gentil. Mas alguns de seus irmãos brasileiros foram com Moïse o que Caim foi para Abel.
É evidente que o Brasil nasceu para ser a civilização do encontro, da irmandade, da caridade e do Evangelho de Jesus Cristo. Esse é o nosso DNA e não podemos negar. A nossa compleição espiritual é essa, mas estamos doentes. E é preciso extirpar esses vírus, bactérias e tumores que nos fazem negar o destino que Deus nos reservou.
Esses elementos estranhos que nos infeccionam não são pessoas: ao contrário, são a negação de uma Pessoa: Jesus Cristo. Prenderemos os assassinos de Moïse e ainda que prendessemos os assassinos de todos os 60 mil mortos anuais, outros viriam para substitui-los porque o Brasil virou uma fábrica de anti-brasileiros.
O sentimento de divisão que foi plantado no Brasil, sobretudo nos últimos vinte anos – colocando mulheres contra homens, homossexuais contra heterossexuais, ateus contra crentes, pobres contra ricos, negros contra brancos e por aí vai – gerou uma reação que tornou a divisão ainda mais evidente, por ser essa reação uma denúncia contra esse espírito divisionista.
Dizem hoje que o Brasil está polarizado. É, pode ser. Mas não descrevem a natureza verdadeira dessa polarização que é entre os divisionistas e os que se opõem a essa divisão. Os divisionistas, que não enxergam as mortes cotidianas nos tribunais do tráfico, mas estão atentos às mortes com potencial político, são estes que estão impregnados do espírito de discórdia, de negação do Evangelho, de negação da vocação brasileira.
Quem divide o Brasil constrói o Brasil fratricida. Quem divide o Brasil, finge que chora a morte daquele que ajudou a matar. Mas quem divide o Brasil não são os indivíduos, mas as abomináveis ideias que fazem as suas cabeças.