Passada a trágica derrota do Brasil nas eleições presidenciais com a proclamação pelo TSE de um elemento recém-saído da cadeia como vitorioso, é preciso iniciar um amplo debate racional sobre nossos erros.
Certamente a reação dos meus colegas de trincheira será de que “Bolsonaro não perdeu, foi roubado”. Ok. É possível e até provável. Mas ganhar e não levar é também uma derrota, certo? Deixemos esse debate sobre uma eventual fraude de lado neste momento e vamos encarar a realidade.
Gostaria de convida-los à reflexão sobre um erro fatal no Governo Bolsonaro que foi o de ignorar a famosa premissa de que “à mulher de César não basta ser honesta, tem que parecer honesta”.
O Presidente Jair Bolsonaro nunca foi de ligar para a opinião alheia a seu respeito. Isso é emocionalmente bom para ele, porque se ligasse, enlouqueceria. Mas aqui não estamos falando de uma questão pessoal, mas da imagem de um governo.
Por não se importar com as versões sobre sua pessoa, mas apenas com sua própria consciência, Jair Bolsonaro também não ligava para o que era dito sobre seu governo. Para ele, a verdade se imporia, até porque seu provável adversário na disputa pela reeleição seria alguém muito pior do que a imagem que poderiam fazer dele. O que se viu, porém, foi a sua imagem chegar à eleição pior do que a de Lula para muito mais pessoas do que seria aceitável.
A comunicação do governo foi comandada por pessoas bem intencionadas e esforçadas. Os dois Fábios – Wajngarten e Faria – conseguiram avançar um pouco na defesa do governo. Em outra frente, Carlos Bolsonaro atuava contra a guerrilha virtual dos inimigos do governo.
A atuação de Carlos Bolsonaro ajudou a evitar danos maiores, embora ele não fosse integrante do governo, mas apenas um filho do presidente que remediava situações.
Não pretendo encontrar culpados, tampouco crucificar ninguém. Muito menos atuar como engenheiro de obra pronta. Muitas dessas observações eu fiz com pessoas do entorno do governo ao longo do mandato. Trata-se aqui apenas de um exercício de reflexão.
A COMUNICAÇÃO FALHOU
Não é difícil perceber que a comunicação falhou. Bolsonaro chegou à campanha de reeleição com uma imagem de golpista e antidemocrático consolidada para grande parte da população, apesar de ser um legalista extremado. Ele também aparenta, para muitos brasileiros, ser um inimigo da ciência, a despeito de sua administração ter priorizado a técnica sobre a política.
A imagem do Brasil destruidor da Amazônia é incontestável no Brasil e no mundo, apesar dos números de Bolsonaro serem muito melhores que os dos governos petistas. Apesar da miséria ser a menor da história, venceu a imagem de que Bolsonaro a ampliou.
Dos números da economia, então, nem se fala. O maior número de carteiras assinadas da história do Brasil, deflação e crescimento econômico, enquanto o mundo se esfarela no pós-pandemia, mas a imagem de um Brasil destruído economicamente foi vencedora.
Um governo que triplicou o valor do programa de renda mínima (Auxílio Brasil), passará para a história como um indiscutível inimigo dos pobres.
Para muitos brasileiros, acreditem, Bolsonaro é um corrupto, apesar de um governo sem casos de corrupção e estando tão próximo historicamente dos governos mais corruptos da história humana.
Apesar de seu trato pessoal agradável e respeitoso, conforme o testemunho de todos os que com ele convivem; apesar de ter em Hélio Negão o político em quem mais deposita sua confiança; apesar do maquiador Agustin conviver como um familiar em sua casa; apesar do protagonismo de sua mulher na sua vida, Bolsonaro é sem sombra de dúvida um racista, homofóbico e misógino para dezenas de milhões de pessoas.
O TRABALHO DO INIMIGO
À construção da imagem de um Bolsonaro monstruoso pelos inimigos da política e da mídia – sem grande resistência por parte de sua trincheira – correspondeu a uma proporcional “limpeza” da imagem do monstro Lula. A ponto de, na comparação entre Bolsonaro e Lula, milhões e milhões de pessoas preferirem a figura do abominável petista.
Se isso não é um retumbante “case” de fracasso de comunicação, nada mais será. Não há um culpado, há vários. Inclusive o próprio presidente que, no mínimo, tem a culpa “in eligendo” na escolha de profissionais insuficientes e de não se preocupar com resultados nesta área do governo. Mas, repito, o propósito agora deve ser de análise os erros e não crucificar seus autores.
A COMUNICAÇÃO NEGLIGENCIADA
O esmero de Bolsonaro com a administração de seu governo, simbolizado no bom desempenho técnico de Tarcísio Gomes de Freitas e Paulo Guedes, dentre outros, não foi aplicado na comunicação.
Provavelmente, a abnegação de pessoas como Wajngarten e Carlos Bolsonaro (este, na minha opinião, o único gênio da comunicação na direita brasileira) impeça que muitos, inclusive o presidente, consigam diagnosticar o problema. Mas o resultado da imagem do governo após 4 anos é mais que suficiente para percebermos que fomos muito mal.
A CULPA NÃO É DO INIMIGO
É fácil culpar os inimigos, sobretudo da imprensa e, desta, sobretudo a TV Globo, pela construção de uma imagem monstruosa de Jair Bolsonaro. Mas ao que nos consta, não faz sentido esperar a caridade de quem nos detesta. Todavia, ao longo de todo o mandato o discurso era de que estávamos sendo injustiçados pela grande imprensa, na crença insana de que eles que deveriam fazer o nosso papel de defesa do governo ou serem imparciais em relação a um governo que parou de injetar-lhes dinheiro nas veias.
A Globo fez o seu papel de inimiga e venceu, porque sua infantaria foi mais competente que a nossa defesa. As cenas de comemoração pela vitória de Lula na redação da Globo deveriam ser didáticas e não inspirar vitimismo.
A VOTAÇÃO DE LULA É PROVA INCONTESTÁVEL DOS NOSSOS ERROS
Não sabemos se Lula teve 60 milhões de votos realmente. Mas se não foram 60, foram pelo menos 50. O fato de que um bandido foi amplamente votado por dezenas de milhões numa disputa contra um mocinho prova de maneira incontestável que para muita gente, mas muita gente mesmo, Bolsonaro é tão ruim a ponto de valer ser preterido por um criminoso notório e recém-saído da prisão.
Não foi suficiente Bolsonaro ter feito uma excelente administração, ser um sujeito tolerante, legalista, ter governado para os mais vulneráveis, ter tido excelentes resultados econômicos em meio a uma conjuntura desfavorável. Na política, a boa administração é um dever moral, mas a habilidade política e de comunicação são imperativos de sobrevivência.
Isso é sabido há milênios, desde os tempos da mulher de César, a quem não bastava ser honesta, mas, sobretudo, deveria parecer honesta.