A ação militar russa sobre o território soberano da Ucrânia não foi suficiente para provocar uma solidariedade bélica da comunidade internacional. As muitas reações de contrariedade com a decisão do presidente russo de invadir o país vizinho têm se dividido entre medidas inócuas, como a resolução e os debates da ONU; publicidade politicamente correta, com a decisão de grandes corporações de sair da Rússia; e as sanções econômicas de outros Estados e da União Europeia.
Vladimir Putin tinha consciência de que as sanções econômicas viriam após a agressão ao território da Ucrânia. Ele contava com isso e, seguramente, as contabilizou no cálculo político que o levou à decisão de atacar.
A Rússia enfrentará dificuldades, não há dúvida, mas existem caminhos a seguir para buscar compensar as perdas e os boicotes. E o caminho principal e mais óbvio tem cinco letras: China.
PARA CADA PUNIÇÃO OCIDENTAL, UMA SOLUÇÃO CHINESA
Se a Apple deixou o país, a Xiaomi ampliará seu espaço no mercado russo. Se o petróleo e o gás russos ficarem sem mercado, a gigantesca necessidade energética chinesa está de braços abertos para comprá-los. Para cada empresa multinacional ocidental que sair da Rússia, há algumas outras chinesas para abocanhar o mercado.
Há, ainda, a possibilidade do Estado russo encampar parques industriais estrangeiros e aumentar sua participação na economia.
BLOCO EURASIANO
Mas, só nesses dois exemplos, os mais prováveis, percebemos que as sanções à Rússia podem acabar por fortalecer o Estado russo e sua relação com outro Leviatã, o Estado chinês. A pretensão ocidental de punir a Rússia pode estar, na verdade, jogando-a de vez nos braços da China, consolidando o bloco eurasiano. Um cenário que gera uma união capaz de polarizar com os EUA e recriar um mundo semelhante ao da Guerra Fria.
O EXEMPLO ALEMÃO
Nós temos um exemplo histórico não muito distante das consequências que as sanções econômicas podem gerar sobre um país. O Tratado de Versalhes e suas rigorosas imposições contra a Alemanha provocaram a ascensão da reação nazista. Quais serão as consequências que as sanções à Rússia legarão ao mundo?
REAÇÕES RIGOROSAS SÓ ATENDEM AOS INSTINTOS PRIMITIVOS
A ação militar de Putin é, portanto, um movimento muito mais sensível no tabuleiro geopolítico do que pode parecer à primeira vista. As reações devem ser muito bem medidas e não devem atender ao instinto das turbas, mas à solução negociada e inibidora.
Do lado agressor o que encontramos é um Estado que, embora não seja economicamente tão forte como já foi, possui ainda um grande arsenal atômico, além de um líder obstinado, frio, violento, preparado e com o suporte da maior agência de inteligência do mundo.
Embora para o senso comum pareça uma atitude covarde, as grandes potências não erraram ao não entrar em guerra com a Rússia em solidariedade à Ucrânia, mesmo que indiretamente, com fornecimento de suprimentos em larga escala. Este seria um movimento irresponsável e de consequências imprevisíveis.
AS CONSEQUÊNCIAS DAS SANÇÕES
Menos imprevisíveis, porém, são as consequências da guerra econômico-financeira que vem sendo feita contra a Rússia de Putin. Talvez seja conveniente moderar este arsenal também, para não alterar o equilíbrio geopolítico de maneira ainda mais desfavorável para nós do lado de cá do mundo.
BIDEN, O PROVOCADOR
O presidente dos EUA, Joe Biden, já deu ao congênere russo de bandeja a desculpa que ele precisava para iniciar as hostilidades contra a Ucrânia quando em novembro passado seu governo e o de Zelensky, da Ucrânia, assinaram uma Carta de Parceria Estratégica, que confirmava o apoio dos Estados Unidos ao direito de Kiev de se tornar membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).
Agora, Biden segue capitaneando as reações pelo caminho das sanções rigorosas e que parecem perseguir obstinadamente uma reação mais violenta de Vladimir Putin. Um exemplo está o boicote ao petróleo russo ao qual Putin já ameaçou reagir encerrando o fornecimento de gás para a Europa.
NÃO HÁ MOCINHOS
Não há mocinhos nessa história. Biden, Putin e Zelensky têm, cada um, sua parcela de responsabilidade por causar esse conflito, cada um a seu modo e com maior ou menor responsabilidade. A comunidade das nações e seus Estados não devem aceitar a ação militar de Putin e o modelo de reação de Biden, tampouco deixar Zelensky negociar sem apoio de países neutros.
O PAPEL DA UCRÂNIA NO EQUILÍBRIO GEOPOLÍTICO
A Ucrânia exerce no contexto europeu um papel de “zona de amortecimento”. Seu controle pela Rússia ou pelos países ocidentais desequilibra o jogo. A Rússia não pode mesmo aceitar a integração da Ucrânia à OTAN, embora este seja um país soberano, pois isso ameaçaria a segurança russa. A Europa não pode aceitar a tomada da Ucrânia pelos russos, pelo mesmo motivo.
Se a intenção da Ucrânia de entrar foi apenas uma desculpa para o projeto do pan-eslavismo de Putin, não há justificativas para o presidente russo colocar tal projeto na mesa de negociações. O caminho é buscar uma negociação que dê à Rússia e à Europa a segurança de que o território ucraniano será militarmente neutro e não oferecerá riscos a russos e europeus.
FORA DA NEGOCIAÇÃO NÃO HAVERÁ SOLUÇÃO
Se as chances de uma negociação são difíceis, não buscá-la não pode ser uma alternativa. A via militar é quase apocalíptica. A via das sanções criará um problema maior que o do atual conflito. O sacrifício da Ucrânia deverá ser o da renúncia de forças militares que possam ameaçar a Rússia e a perda de uma parte do seu território que garanta aos russos o acesso ao Mar Negro, um dos objetivos de Putin nessa história. Será o preço a pagar pela bobagem feita por Zelensky em aceitar a proposta de Biden de negociar com a OTAN.