Neste mês completam-se dez anos dos grandes protestos de junho de 2013. O aniversário motivou os grandes jornais do país a escrever matérias, promover debates e entrevistas sobre o que chamam de “Jornadas de Junho”.
Como é óbvio, quase tudo o que se lê por lá são bobagens ou mentiras. Seja porque alguns não entendem o que aconteceu, seja porque outros sabem e querem esconder.
Os protestos de junho de 2013 se iniciaram como sempre ocorreu em nossa história: mediados por associações, sindicatos ou partidos políticos.
Neste caso, a revolta contra a decisão do prefeito petista de S. Paulo de aumentar ainda mais as passagens de ônibus foi transformada em protestos por associações estudantis mais à esquerda ainda que o PT.
Historicamente, a maioria conservadora do país sempre esteve caladinha dentro de casa, pois seus desconfortos não tinham mediadores para colocar povo na rua.
Dessa vez, entretanto, o espírito de indignação, que começou à esquerda com o aumento das passagens na capital paulista, inflamou todo o país. E a parcela conservadora da sociedade descobriu que poderia se reunir para também ir às ruas. Se a Esquerda tinha sindicatos, centros acadêmicos, associações estudantis e de classe, a Direita tinha agora as redes sociais.
Sem mediadores como sempre, mas organizando-se espontaneamente pelo meio eletrônico, os conservadores fizeram com que a indignação com o estado de coisas em um país, então governado há dez anos pelo petismo, fosse além do preço da passagem em uma capital.
“Não é só pelos 20 centavos”, disseram os manifestantes. E, então, a cada dia mais e mais brasileiros, que sempre seguraram o grito de revolta dentro de casa, foram para as ruas em muitos e muitos municípios brasileiros simultaneamente. Não eram mais apenas as capitais.
As esquerda tentou capturar aquele espírito batizando-o de “Jornadas de Junho” e romantizando, na expectativa de poder levar o governo de Dilma ainda mais para a esquerda. Mas nem toda a ajuda das redações da grande imprensa e dos artistas de sempre conseguiu segurar a massa conservadora e liberal que emergiu com o advento da massificação da internet.
Esse espírito não permitiu que políticos conseguissem destruir a Operação Lava Jato no seu começo. Ele também derrubou a cleptocracia petista, forçou um governo de transição de Michel Temer e, enfim, chegou ao Planalto com Jair Bolsonaro.
Desde a eleição de Bolsonaro, porém, os derrotados pela indignação de Junho de 2013 começaram a se organizar para reagir. O establishment sofrera seu primeiro revés na História do Brasil, mas os donos do poder não aceitariam passivamente a queda.
Retiraram, então, Lula da cadeia, devolveram-lhe a elegibilidade, atacaram o Governo Bolsonaro impiedosamente todos os dias, impediram-lhe muitas vezes de praticar atos legais de governo, contaram com a ajuda dos isentões do próprio campo liberal e conservador, dificultaram à exaustão a campanha de reeleição e recolocaram Lula na cadeira de presidente.
Numa metáfora meio clichê, podemos dizer que a sociedade brasileira iniciou uma luta contra o câncer que a acometia. Seu sistema imunológico reagiu em junho de 2013 e seu organismo começou dar respostas positivas após a quimioterapia.
Mas o câncer não perdeu o poder e voltou a se manifestar. Foi recolocado na presidência e agora tenta enfraquecer o organismo para que ele não possa sequer voltar a fazer quimioterapia. A doença reagiu e quer impedir a luta pela cura com censura, com cassações, com processos, multas e perseguições.
O fenômeno conservador pretendeu diminuir o poder de Brasília e aumentar o poder popular, estabeleceu a luta contra a corrupção como caminho sem volta, se rebelou contra a opressão da maioria cristã da sociedade e que desejou finalmente fazer do interesse público a pedra de toque da administração pública.
Mas, inspirou a reação do establishment com a suspensão de garantias fundamentais e a concessão de um poder discricionário a um só indivíduo sobre toda a nação e acima de todos os mandamentos constitucionais sob a alegação de proteger a democracia.
Engana-se quem acha que esse estupro institucional e esse estado de sítio velado concedido ao Judiciário são obras de um só homem. Eis aí a chave de compreensão do fenômeno iniciado há dez anos: a decisão popular de colocar a nação acima do Estado, com todos os defeitos políticos e operacionais que pudesse ter, foi objeto de reação ilegítima por parte do andar de cima.
E o andar de cima é muito mais que um homem. É parte substancial do capital financeiro, que nunca lucrou tanto quanto com a Esquerda e a Centro-Esquerda.
É parte considerável do grande capital. São todos os pelegos dos sindicatos brasileiros. São todos aqueles que vivem da miséria do povo mais pobre e da exploração de quem realmente produz a renda nacional.
São também as nações estrangeiras que querem manter o crescimento do Brasil sob um cabresto, como a França ou que querem que o Brasil seja seu quintal, como a China.
A partir de Junho de 2013, parecia que, enfim, o povo brasileiro venceria. Os donos do Brasil tiveram paciência de se reorganizar num imenso consórcio, tão amplo que integrou Geraldo Alckmin a Lula. Eles viraram o jogo, mas a partida não terminou.
Voltar para as ruas é, portanto, uma obrigação dos brasileiros. Não se trata de uma luta de conservadores, mas de todos os brasileiros que prezam a liberdade, pela democracia para além do discurso e a soberania popular.
Conservadores, retomemos as ruas!