Você que começa a ler esse texto agora já deve ter tido a triste oportunidade de conhecer alguém que tinha potencial para viver uma vida tranquila, ter um bom trabalho, obter conforto para sua família e formar uma família feliz mas, por um motivo ou outro, tomou um rumo torto e cavou a própria sepultura ou mesmo o poço em cujo fundo foi parar.
Desde que o mundo é mundo isso acontece. Há quem se arrependa no meio do caminho e retome o caminho certo, como a mulher adúltera a quem Jesus Cristo perdoou e disse: “vá e não peques mais”. Mas também há os que vão em frente no erro e acabam mal.
Falo desses indivíduos não para falar de alguém, mas de uma coletividade. A comunidade da minha cidade, Nova Iguaçu.
Nova Iguaçu é como aquele sujeito afortunado pelo destino que nasceu em família bem estruturada, que proporcionou a ele todos os bens materiais e o colocou diante do mundo para caminhar sozinho com todo o potencial. O potencial de Nova Iguaçu é imenso. Quis a Providência que fossemos uma cidade encravada no meio de muitas outras, inclusive a segunda maior cidade de uma das maiores economias do mundo.
Somos cortados por rodovias estratégicas. Temos a água da região metropolitana tratada aqui e a energia que vai para a capital passa por nossa cidade. Temos muita gente que mora na cidade e precisa trabalhar. E, para completar, estamos entre os dois maiores mercados consumidores do país, o Grande Rio e a Grande São Paulo.
Como se não bastasse, ainda temos 70% de nosso território composto por áreas de proteção ambiental e estão em nosso município os bairros de maior qualidade de vida da Baixada Fluminense.
E, no entanto, o que fazemos disso tudo que recebemos de mão beijada do destino? Tudo isso foi conquistado por obra e graça do acaso. Não houve planejamento, não houve luta, não houve engajamento, nada. Talvez por isso mesmo, sejamos uma cidade desarticulada e acéfala, mas não por falta de gente capacitada ou inteligente. Pelo contrário, há muita gente de talento por aqui e nisso também colaborou conosco o destino. Mas há um pecado entre nós: a nossa cultura é a do cada um por si e Deus por todos.
E Deus realmente é por todos, tanto que nos proveu de tanto potencial e o cada um por si colabora para alguma produção de riqueza, pois somos uma cidade com alguma força econômica. Mas somos também uma cidade violenta, cheia de miséria, suja, feia onde há presença humana (a beleza também ficou a cargo exclusivo de Deus com as obras da natureza). Somos recordistas em desemprego, temos grande parte do nosso território urbano controlados por criminosos, nossas crianças saem das escolas (em muitos casos até das particulares) sem saber interpretar um texto e fazer operações matemáticas simples.
Nossos servidores que realmente trabalham ganham mal porque falta emprego e os governantes sofrem pressão política (e sucumbem a ela) para encher a Prefeitura de gente em cargos comissionados. Abrir uma empresa em Nova Iguaçu é um inferno e mantê-la aberta são dois infernos. E muitos e muitos outros problemas que não cabem nesse espaço.
Falo tudo isso para dizer que estou quase convencido de que essa opção pela mediocridade parece uma convicção difícil de superar. Recentemente o prefeito Rogerio Lisboa proibiu o comércio de funcionar, por exemplo. Algumas pessoas tentaram articular uma resistência, houve uma adesão razoável, mas o ato do prefeito se manteve. As associações comerciais – que são para inglês ver – nada fizeram para variar. E poucos comerciantes e trabalhadores realmente quiseram lutar.
Esse é um exemplo. Poderíamos falar dos servidores efetivos que aceitam a farra de cargos comissionados que drenam os recursos que poderiam melhorar seus salários. Poderíamos falar dos pais de alunos que aceitam passivamente que seus filhos “estudem” em salas de aula na quais se chove dentro. Poderíamos falar de muitos casos de pessoas e categorias que operam na lei de Murici (a do cada um cuida de si) e não percebem a força que a união em favor da justiça pode operar.
É mais fácil colocar a culpa no vereador, no prefeito, no secretário, no governador, no presidente ou no papa, escolhendo um Judas para malhar. Não que eles também não sejam parte do problema. Mas esse Judas não é uma, nem são duas pessoas. Todos nós somos o Judas que nos atraiçoa em Nova Iguaçu. Inclusive você que está lendo e eu que estou escrevendo. Pode crer.