Recentemente um amigo compartilhou no Facebook um texto que escrevi neste site há cerca de dois meses. Nele eu tratava do problema identitário iguaçuano que faz de Nova Iguaçu uma cidade fragmentada, partida.
Pensando novamente sobre o assunto e após a minha experiência como candidato a vice-prefeito nestas eleições municipais de 2020, percebi o tamanho do problema identitário no processo político municipal.
Como candidato que, modéstia à parte, só aceitou concorrer pelo propósito de oferecer um outro método político e um novo projeto de cidade para a sociedade, confesso que muitas vezes o contato com o público era desestimulante pelo desinteresse de grande parte da sociedade com o processo político-eleitoral.
Refletindo sobre esse desinteresse e fugindo da bobagem de jogar sobre o desinteressado a culpa pelo desinteresse, foi inevitável o reconhecê-lo como uma das causas do processo viciado da nossa política local.
Em uma entrevista com o repórter Davi Boechat durante a campanha eu falei rapidamente do ciclo vicioso da política local, que retroalimenta problemas que geram outros problemas que ampliam o desinteresse. Esse trecho pode ser visto AQUI.
Chegando, enfim, ao ponto que quero destacar neste artigo, o desinteresse pela política local tem como uma das causas a ausência da sensação de pertencimento. Por que a eleição para presidente gera mais engajamento que a eleição para prefeito? Porque o cidadão se sente brasileiro, mas não se sente iguaçuano.
Ao conversar com algumas pessoas durante a campanha isso ficava claro pra mim. Para alguns, enquanto eu falava de problemas e soluções para nossa cidade, era como se eu estivesse falando sobre a botânica do Azerbaijão, ou seja, Nova Iguaçu é um tema rigorosamente indiferente para eles, pois eles sequer se reconhecem como parte desse território uno chamado Nova Iguaçu.
E por que eles deveriam se reconhecer como tal? Como um jovem de 25 anos foi parar no bairro Dom Bosco, por exemplo? Provavelmente seu pai ou seu avô comprou um lote ou foi contemplado com uma casa popular naquele bairro vindo de longe, seja do interior do país ou do Estado ou vindo da periferia da capital. Ele nasceu ali, mas sua vida não tem qualquer vínculo com o que ele reconhece como Nova Iguaçu que é o núcleo central do município ou as pessoas daquele núcleo.
Nova Iguaçu não faz parte da vida dele. Quando ele precisa ir ao banco ou fazer um curso universitário, ele vai a Campo Grande. Se precisar de um emprego, só irá encontrar na capital e por lá resolverá sua vida, só vindo para o pedaço de Nova Iguaçu que habita para dormir.
E aí, de quatro em quatro anos, sem entender muito bem por quê, ele precisa ir votar em um vereador e em um prefeito para Nova Iguaçu. É mais ou menos como se qualquer um de nós do Centro de Nova Iguaçu fosse convidado a escolher representantes em Quissamã.
Essa não é a única causa, mas é uma das causas dos nossos problemas políticos locais. E por trás dela há uma causa anterior que é a indiferença. A indiferença tão presente em forma de alerta nos pronunciamentos do Papa Bento XVI e que levou o Papa Francisco a convocar a criação de uma “cultura do encontro”.
Há em Nova Iguaçu uma indiferença total das pessoas que deveriam ser as mais esclarecidas em relação às outras partes da cidade que não frequentam.
Empresários, profissionais liberais, altos funcionários da magistratura, do Ministério Público e das polícias, políticos, professores universitários, dirigentes de associações de todos os tipos, salvo exceções que confirmam a regra, são indiferentes aos iguaçuanos invisíveis.
E é uma indiferença burra. Ao ignora-los, empresários e profissionais liberais perdem dinheiro, os funcionários públicos supracitados veem seu volume de trabalho ampliar, professores universitários ignoram temas de pesquisa, políticos e associações perdem engajamento.
Só quem não é indiferente a essas comunidades é o crime organizado, que chega, ocupa os territórios e elege seus representantes, gerando mais separação entre as comunidades e mais corrupção política.
Indiferença gera desinteresse. Desinteresse gera corrupção política. Corrupção gera problemas em escala geométrica que não podem ser enfrentados, o que gera mais desinteresse e renova o ciclo.
A consciência de que somos todos iguaçuanos pode ser uma espécie de acupuntura nesse tecido social adoecido. Enxergar-se iguaçuano dará a todos uma identidade comum e vai gerar em muitos a vontade de nos unirmos para um grande e renovado projeto de cidade que preserve o que temos de bom e reforme os problemas, sempre planejando o futuro.
Há muitas formas de promover nossa identidade, mas não deveríamos focar naquelas que dependem do poder público, porque daquele mato não sairá cachorro. Ao contrário, os cães (no sentido pejorativo mesmo) não largam aquele osso.
É a própria sociedade que deve fazer isso. Por exemplo, aceitando o convite do Santo Padre e promovendo uma cultura do encontro.
Fica a proposta de um debate para nossa cidade que daqui a dois meses completará 188 anos de elevação à condição de Vila, data reconhecida como de sua fundação. Uma cultura do encontro para Nova Iguaçu: eu apoio.