Ah, meus amigos! Eu preciso desabafar. Sinto a cólera subir-me à garganta, uma náusea moral me assola a alma. Percorro as redes sociais – esse pântano digital onde a opinião chafurda no esterco da ignorância – e deparo-me com a heresia: debatem o maior de todos no Fluminense! Citam nomes, gloriosos é certo, mas que parecem patifes a me esbofetear a memória, a conspurcar a mística. Patifes, sim! E o pior é que falam com um ar de quem inventou a pólvora, quando o que fazem é profanar o Templo.
Escrevo, e as lágrimas me saltam aos olhos. Sou uma viúva inconsolável daquele tempo em que o futebol era menos negócio e mais febre, mais paixão insana, mais chaga aberta. E ele, o ídolo supremo, surge na minha retina, e eu sinto aquele nó, aquele estrangulamento de êxtase e dor que só a grande e desesperada emoção nos impõe. Recomponho-me. O cronista é um mártir, tem que sobreviver à própria paixão para contá-la.
O que faz grande um homem, pergunto eu, com a voz embargada de angústia? É o amor que se fez sangria, a virtude que se fez obstinação, a coragem que beira o suicídio, o heroísmo que se entrega ao suplício? Sim, tudo isso. Mas e quando essas quimeras todas se fundem, se amassam e se tornam um só homem, um só indivíduo eivado de paixão e desespero?
Ah, creiam-me, meus amigos, não houve jamais, em nenhuma latitude ou longitude, um servo mais devotado a um estandarte. Falam em Pelé, o Gênio, o Rei, que era, e é, uma irradiação solar. Pelé amou o Santos, sim, com aquele amor de diamante, límpido e refulgente, um amor quase divino. Dinamite, Zico, Nilton Santos, Renato, Falcão, Tostão e Reinaldo – todos amantes, todos devotos de seus clubes, todos de um talento que beirava o milagre.
Mas qual deles, digo eu, qual deles ultrapassou o limite do viável, da paixãozinha morna e previsível? Qual deles encarou o destino com a faca nos dentes a ponto de aceitar o sacrifício supremo, a mutilação do próprio corpo em nome do amor clubístico? Qual deles virou mártir, chaga aberta, lenda viva e sangrenta?
Estamos falando de uma carreira que é mais que um rosário de jogos e vitórias; é um Evangelho de devoção, um recorde costurado com a carne e com a dor, uma mística que faz tremer os alicerces do estádio. Ele não vencia só pela genialidade; vencia porque tinha um pacto com o Gravatinha, uma sorte de anjo da guarda que só assiste aos loucos, aos inauditos, aos que se imolam.
Eu me recuso, amigos, a profanar seu nome. O nome não pode ser dito, senão banaliza. O tricolor de verdade, aquele que tem o sangue tricolor correndo nas veias, sabe de quem falo. E mesmo o forasteiro que dedicou dez minutos à história santa do nosso futebol também sabe.
E por que sabem? Porque o amor, quando atinge essa dimensão de tragédia e glória, é único, é irrepetível. Não há na história fascinante dos esportes outra história de amor com a mesma grandeza de punhal na carne. Ele foi, é, e será o maior de todos. E pensar que há quem respire o ar abençoado das Laranjeiras e ouse citar outro nome. É um sacrilégio! É uma cuspida na própria História! É a prova de que a burrice, como a paixão, não tem limites.
Choremos, amigos. Choremos de emoção por este amor inigualável e por esta gente ingrata que esquece o seu deus de carne e osso.