Não existe vácuo em política. Antes mesmo de o mínimo espacinho aparecer, já há candidatos para ocupá-lo. E não é assim apenas nos cargos eletivos, afinal, poder não é apenas mandato público. Os muitos vetores de poder se constroem e reconstroem todo o tempo. E isso não é ruim. Antes, é benéfico ao interesse público que a liderança da sociedade esteja sempre em permanente disputa. Isso estimula o debate, melhora a representatividade e impede a anarquia, que é pior que um mau governo.
O tempo e as ações da Operação Lava Jato (e suas congêneres) têm imposto à política fluminense um freio de arrumação. O tempo está fazendo desaparecer o fenômeno do brizolismo, materializado não apenas na figura de Brizola, mas também de seus herdeiros diretos ou indiretos. Garotinho e Cesar Maia, herdeiros diretos do antigo chefe, já não apitam como antes, por exemplo.
Há ainda a ação do combate à corrupção que atinge também os herdeiros do brizolismo, mas que não faz distinção. O grupo político que orbitava no entorno do ”capo de tutti capi” Jorge Picciani, está se reestruturando após os efeitos do combate à corrupção o atingir. Trata-se de um imenso exército de pessoas que inclui políticos com ou sem mandato, lideranças de bairros e comunidades, um sem número de pessoas que são colocadas em cargos de confiança, além dos aliados eventuais com suas equipes.
A prisão e a doença de Jorge Picciani criou o espaço para uma nova liderança nesse grupo e que vem sendo ocupado com muita habilidade pelo petista André Ceciliano, sucessor de Picciani na Presidência da ALERJ. Ceciliano é astuto e habilidoso, além de bom operador dos métodos do antigo chefe.
O grupo piccianista – vamos continuar chamando assim mesmo sem Picciani no comando por conta da continuidade dos métodos – não é um grupo ideológico. É um grande balcão de negócios, uma mega-estrutura a serviço do fisiologismo e do patrimonialismo. A força política mais poderosa do Rio de Janeiro, com enorme capilaridade e capacidade de auto-financiamento. Funciona como uma empresa, com metas: precisa conquistar pelo menos três ou quatro grandes prefeituras da região metropolitana, além de dezenas no interior, para sustentar sua já citada estrutura mastodôntica.
Pelo lado ideológico, do lado canhoto há no Rio de Janeiro a presença forte do PSOL na capital. O PSOL fluminense possui a maioria absoluta dos políticos com mandato por este partido no Brasil. Podemos arriscar a dizer que no Rio, o PSOL é a maior força de Esquerda, haja vista que o PT em parte está associado ao piccianismo e em parte é capitaneado por líderes apagados ou decadentes como Lindbergh Farias e Benedita da Silva. PDT, PSB e a REDE praticamente só cumprem tabela em nosso Estado.
Pela Direita, há novidades. Se durante cinco décadas o conservadorismo se viu sem nenhuma representação relevante na política fluminense, o bolsonarismo fortalece as esperanças dos velhos órfãos do lacerdismo, que tantas glórias legou para a antiga Guanabara, hoje a capital Rio de Janeiro. Mas a expansão do bolsonarismo ou de um conservadorismo fluminense está muito longe ainda de ser algo estruturado, com lideranças fortes, com capilaridade e organicidade. Não. A Direita fluminense é apenas um sentimento em busca de rostos, nomes, representantes. Embora seja alvissareiro ver o renascimento do conservadorismo no Rio, ele ainda carece de guias, de líderes genuínos que orientem esta força política do nosso Estado com princípios comuns, objetivos a perseguir e bandeiras nítidas. A própria eleição do Governador Wilson Witzel demonstra essa busca do eleitorado conservador, muito embora seja difícil (pelo menos até agora) identificar o chefe do Executivo estadual em algum campo que não seja o da fanfarronice.
Os evangélicos constituem também força das mais relevantes no cenário fluminense, mas não é uma força única. Há organização entre os evangélicos, mas ela reflete a própria divisão que grassa entre as denominações que representam. Todos se identificam como protestantes ou evangélicos, mas cada um congrega de uma forma e isso se replica na política. E há evangélicos em todos os campos. A união é rara e nunca unânime, como aconteceu no segundo turno da eleição carioca de 2016, quando a maioria absoluta dos evangélicos optou por Crivella, restando com Freixo os poucos evangélicos que se identificam como pessoas de Esquerda, como Benedita da Silva, por exemplo.
E onde ficaria a família Maia nesse contexto? O grupo de Cesar e Rodrigo Maia já não é relevante como um grupo, nem representa um campo político definido, pois já caminhou com praticamente todos os outros e já defendeu diversos pontos de vista, conforme o andar da carruagem, mas também não pode ser confundido com o piccianismo, ao qual sempre se opôs. O que resta daí é a representatividade que Rodrigo Maia adquiriu depois que o destino o colocou subitamente na cadeira de Presidente da Câmara com a prisão de Eduardo Cunha. Ainda não é possível visualizar a reconstrução de um grupo forte liderado pela família Maia. O que será da família Maia quando Rodrigo não for mais o Presidente da Câmara não se pode prever.
Outro grupo que não podemos encaixar nos outros perfis é o da família Garotinho. Aos trancos e barrancos, vão sobrevivendo com vitórias isoladas, sem um propósito claro que o identifique.
Lamentavelmente, também temos que citar o crime organizado como um campo político relevante, porém sem unidade. Sabe-se que o tráfico, as milícias e o jogo do bicho, por exemplo, financiam candidaturas. Eles estão verdadeiramente participando da política, alguns de forma discreta e silenciosa, outros sem nenhum pudor. Seus representantes podem estar e estão na maioria dos outros campos, pulverizados e influentes.
Por fim, podemos identificar ainda a tentativa de construção de um campo político moderado, disposto a dialogar com a maioria das outras forças, com forte apelo liberal, e que transita por partidos como Cidadania (antigo PPS), o PSDB e o NOVO, além dos movimentos LIVRES e Brasil Livre (MBL). Nesse campo eu incluiria nomes como Denise Frossard, Fernando Gabeira, Paulo Gontijo, Marcelo Calero, Roberto Motta, Manuel Thedim, Paulo Ganime, João Amôedo, Pedro Duarte, Vinícius Claussen, Vinícius Oberg, Adriana Balthazar e outros bons nomes. Esse campo da política fluminense, porém, é o menos popular, menos capilarizado, muito concentrado na capital, muito guanabarino, digamos assim, apesar da presença de um ou outro político do interior ou da região metropolitana. O desafio desse grupo é o desafio do próprio Estado, pois a sua tímida representatividade é um reflexo da própria geografia humana do Rio, se é que me faço entender.
A política é dinâmica, esses campos não são estanques, nem hermeticamente isolados entre si. Eles dialogam e se aliam eventualmente. Novas mudanças no cenário político nacional podem alterar esse quadro de modo a reconfigura-lo, mas este diagnóstico acima nos parece um esboço razoável da atual configuração política fluminense. Salvo melhor juízo.