Todos os dias em frente à estação de trem de Nova Iguaçu está lá uma senhorinha vendendo coador de café. Ela não sabe quem eu sou. Eu não sei o nome dela. Eu a observo há alguns anos. Sempre ali, exalando humildade, tocando seu pequeno comércio.
Essa senhorinha é para mim um símbolo de milhões de brasileiros. Quem conhece a realidade nua e crua de um lugar como a Baixada Fluminense sabe como é a situação dessas pessoas.
A despensa não acumula mantimentos. Na geladeira há sempre espaços vazios. Em alguns casos, nem há geladeira. O que se come hoje foi comprado com o que se ganhou ontem, ou com o que se ganhou hoje mesmo ou, ainda, com o que ainda se vai ganhar, graças ao caderno da “barraca” que há na rua.
As circunstâncias da minha vida sempre me aproximaram de pessoas muito pobres. Nunca fui muito pobre, mas compartilhar a experiência de quem passa por dificuldades pela qual não passamos nos traz grandes lições.
Hoje vejo muitas pessoas que julgam a realidade pelas suas experiências pessoais. Não fazem ideia das circunstâncias em que vive o próximo, muito menos os distantes.
Vejo pessoas que têm renda garantida pedindo lockdown. Vejo pessoas que podem alcançar alguma renda por meio eletrônico pedindo lockdown. Vejo pessoas que têm reservas financeiras pedindo lockdown.
Todas pensam o mundo a partir de suas experiências e de sua realidade. E, por isso, creem que existe uma solução mágica para todos os problemas. Temos uma pandemia? É simples: fecha tudo e vamos todos ficar em casa. E para quem não gostar, o choro é livre.
Mas o centro do mundo não é o umbigo dos servidores públicos, dos que têm bons empregos, daqueles que podem fazer home office ou dar aulas online, muito menos dos que têm alguma poupança para suportar o lockdown por um tempo.
Uma doença que mata cerca de 3% dos casos oficialmente comprovados de infecção tem capacidade letal muito menor que a de um lockdown em um país de pobres e miseráveis. Quem sabe o que é o Brasil real, tem consciência disso.
Quem pode se isolar, deve se isolar. Mas é uma desumanidade obrigar que pobres e miseráveis como a senhorinha da estação de Nova Iguaçu sejam proibidos de buscar o pão de cada dia. Isso sim seria um genocídio.
Hoje (19/03) em todo mundo se celebra a memória de um trabalhador que viveu em uma cidade chamada Nazaré, no atual Estado de Israel. Seu nome era José. Ele era casado com uma senhora chamada Maria. E com o seu trabalho criou o menino que tomou para si como seu filho.
Que o bom Deus que escolheu um trabalhador pobre e humilde para cuidar do seu Filho Unigênito ilumine o entendimento de todos para que compreendam a situação dos trabalhadores desse país e do mundo.
Não impeçam uma mulher ou um homem de buscarem o pão para sua casa. Isso é uma crueldade.