O 15 de novembro é o dia em que se “celebra” a queda da regime que acabou com a senzala e a ascensão daquele que criou a favela.
Não conheço – e você que está lendo também não deve conhecer – uma só pessoa que celebre o 15 de novembro. Talvez por um inconsciente mecanismo de autodefesa, a maioria dos brasileiros sequer entende do que se trata.
A república não tem entusiastas. No máximo o que aparece em algum debate sobre o assunto são os fatalistas que acreditam que é um caminho inevitável sair do parlamentarismo monárquico para um sistema republicano, como se a decadência fosse nosso inexorável destino.
Os pouco entusiasmados defensores da república diante da monarquia consideram um atraso ou coisa do passado ter um rei, rainha, imperador ou imperatriz. E por causa desse juízo meramente estético, seguimos adiante com nosso regime mais “adiantado” que os da Dinamarca, da Inglaterra, da Noruega, da Suécia, da Bélgica, da Espanha ou da Holanda.
A monarquia constitucional do Brasil foi um sistema político bastante avançado para a época e que, com o passar dos tempos, foi se aperfeiçoando, sobretudo com a criação do Conselho de Ministros, que tirava das mãos do imperador, na prática, a condução do poder executivo, cabendo a ele, sobretudo, o chamado poder moderador. O que muito agradou ao nosso monarca de então, não muito chegado ao dia a dia da governação.
Sob esse regime tivemos, curiosamente, o período mais republicano de nossa história de país independente. Liberdade de imprensa e manifestação do pensamento, austeridade nos negócios públicos, inflação baixa, moeda forte e a vitória sobre a nossa maior vergonha: o sistema econômico escravista.
A dinastia foi derrubada com um golpe tosco liderado por um militar com dor de cotovelo. Um golpe que seria facilmente debelado se o Imperador resistisse. Lamentavelmente, ele entregou os pontos. Lutar pelo Brasil cansa. O melhor amigo que o Brasil já teve acabou permitindo a vitória dos escravistas inconformados que viriam a construir o sistema oligárquico do café com leite.
Sete anos depois do golpe, um foco de monarquistas miseráveis que ousou ter comportamento de insurreição no interior da Bahia foi massacrado pelo governo republicano. E os soldados republicanos, vitoriosos sobre o monarquistas de Antônio Conselheiro em Canudos, foram jogados no Morro da Favela, no centro da capital, detrás do célebre cortiço “Cabeça de Porco”.
A Estação Primeira de Mangueira, escola de samba da comunidade formada por ex-escravos libertos pela família imperial e que serviam no Palácio Imperial de São Cristóvão, resumiu em versos em 1988 o que nos ocorreu: o nosso povo ficou “livre do açoite e da senzala, [mas] preso na miséria da favela”.
É isso que hoje, com o devido distanciamento histórico, podemos dizer dessa data fatal para o destino do Brasil-nação. No país em que a banana come o macaco e o poste urina no cachorro, o Brasil tem um feriado para celebrar a própria desgraça.